QUAL A POSIÇÃO DE LÊNIN SOBRE A RELIGIÃO E O PAPEL DO ESTADO SOCIALISTA NESSA QUESTÃO?
Vivemos numa sociedade onde a minoria de capitalistas e proprietários de terras explora brutalmente a maioria trabalhadora. Essa exploração não é apenas econômica — ela também se expressa na política, na cultura e até na espiritualidade. É aqui que entra a reflexão de Lênin sobre a religião.
SAULO CORLEONEPOLÍTICA
8/22/20257 min ler


👉 Para Lênin, a religião surge como resposta à impotência das massas frente à opressão. Assim como povos antigos criaram deuses para explicar os fenômenos da natureza, os trabalhadores explorados foram levados a acreditar em recompensas celestes para suportar a miséria terrestre. Daí vem a famosa formulação de Marx: “a religião é o ópio do povo”. Não como simples insulto, mas como diagnóstico: ela anestesia a dor real da exploração, desviando a luta do aqui e agora.
Mas atenção: isso não significa que o socialismo deva perseguir a religião ou impedir pessoas religiosas de participarem da luta. Pelo contrário. O que Lênin defendia era a separação completa entre Igreja e Estado, para que nenhuma instituição religiosa fosse usada como braço da opressão capitalista.
O partido do proletariado deve sim criticar o obscurantismo, mas sempre de forma política e pedagógica, sem dispersar forças com brigas secundárias. O trabalhador se liberta com a própria luta contra a exploração capitalista.
O objetivo do socialismo não é “provar” que Deus não existe, mas criar as condições materiais para que os trabalhadores não precisem mais se refugiar em ilusões. A luta é por construir um mundo melhor aqui na terra, e não esperar por ele no céu.
Em resumo:
Religião deve ser assunto privado em relação ao Estado.
O partido deve combater o obscurantismo com ciência, educação e luta de classes.
A prioridade é a unidade da classe trabalhadora, crente ou ateia, contra o inimigo comum: o capital.
Ou seja: a fé pode ser individual, mas a libertação é coletiva. ✊
Confira a íntegra do texto: Socialismo e Religião (1905) do Lênin, no jornal Novaya Jizn, n.º 28, de 3 de dezembro de 1905.
"A sociedade contemporânea assenta-se inteiramente na exploração das amplas massas da classe operária por uma minoria insignificante da população, pertencente às classes dos proprietários agrários e dos capitalistas. Essa sociedade é escravista, pois os operários “livres”, que trabalham a vida inteira para o capital, apenas “têm direito” aos meios de subsistência necessários para manter os escravos que produzem o lucro, assegurando e perpetuando a escravidão capitalista.
A exploração econômica dos operários causa e gera inevitavelmente todos os tipos de opressão política, de humilhação social, de embrutecimento e obscurecimento da vida espiritual e moral das massas. Os operários podem alcançar maior ou menor liberdade política para lutar por sua libertação econômica, mas nenhuma liberdade os livrará da miséria, do desemprego e da opressão enquanto não for derrubado o poder do capital. A religião é uma das formas de opressão espiritual que pesa em toda parte sobre as massas populares, esmagadas pelo seu perpétuo trabalho para outros, pela miséria e pelo isolamento.
A impotência das classes exploradas na luta contra os exploradores gera tão inevitavelmente a fé em uma vida melhor depois da morte quanto a impotência dos povos originários na luta contra a natureza gerava a fé em deuses, demônios, milagres etc. Àquele que trabalha a vida inteira e passa fome, a religião ensina humildade e paciência na vida terrena, consolando-o com a esperança da recompensa celeste. E àqueles que vivem do trabalho alheio, a religião ensina a caridade na vida terrena, oferecendo-lhes uma justificativa barata para toda a sua existência de exploradores e vendendo-lhes, a baixo preço, bilhetes para a felicidade celestial.
A religião é o ópio do povo. É uma espécie de aguardente espiritual ruim, na qual os escravos do capital afogam sua imagem humana e suas reivindicações por uma vida minimamente digna.
Mas o escravo que toma consciência de sua escravidão e se ergue para lutar por sua libertação já deixou de ser escravo em parte. O operário consciente moderno, formado pela grande indústria fabril e educado pela vida urbana, afasta com desprezo os preconceitos religiosos, deixando o céu para padres e beatos burgueses, e conquista para si uma vida melhor aqui, na terra. O proletariado moderno alinha-se ao socialismo, que integra a ciência na luta contra o nevoeiro religioso e liberta os operários da fé na vida além-túmulo por meio da união para uma verdadeira luta por uma vida digna neste mundo.
A religião deve ser declarada um assunto privado — é assim que os socialistas costumam se posicionar. Mas é preciso definir com precisão o significado dessa fórmula para evitar mal-entendidos. Exigimos que a religião seja um assunto privado em relação ao Estado, mas não podemos, de modo algum, considerá-la um assunto privado em relação ao nosso partido.
O Estado não deve ter nenhuma ligação com a religião, e as sociedades religiosas não devem estar vinculadas ao poder estatal. Cada indivíduo deve ser absolutamente livre para professar qualquer religião ou para não aceitar nenhuma, ou seja, ser ateu — condição em geral assumida por socialistas. São absolutamente inadmissíveis quaisquer diferenças de direitos entre cidadãos em função de suas crenças religiosas. Deve inclusive ser abolida qualquer referência religiosa nos documentos oficiais. Não deve haver donativos do Estado à Igreja, nem repasses financeiros a organizações eclesiásticas e religiosas, que devem tornar-se associações livres e independentes do poder público, reunindo apenas cidadãos que compartilhem da mesma fé.
Somente a plena satisfação dessas reivindicações pode encerrar o passado vergonhoso em que a Igreja esteve em dependência servil em relação ao Estado, e os cidadãos em dependência servil em relação à Igreja estatal — passado em que vigoravam leis medievais e inquisitoriais (ainda presentes em muitos de nossos códigos penais), que perseguiam pessoas por sua crença ou descrença, violentavam a consciência humana e vinculavam cargos oficiais a dogmas distribuídos pela Igreja.
A separação completa entre Igreja e Estado é, portanto, a exigência que o proletariado socialista apresenta ao Estado e à Igreja atuais.
A revolução russa deve realizar essa exigência como parte necessária da liberdade política. Nesse aspecto, a revolução encontra-se em posição particularmente vantajosa, pois a abominável burocracia da autocracia policial-feudal gerou descontentamento e indignação até mesmo entre o clero. Por mais embrutecido e ignorante que fosse o clero ortodoxo russo, ele foi despertado pelo estrondo da queda da velha ordem medieval. Até entre os padres surgiram vozes pela liberdade, contra a burocracia e o arbítrio dos funcionários, contra a fiscalização policial sobre os “servos de Deus”.
Nós, socialistas, devemos apoiar esse movimento, mas levá-lo até as últimas consequências: exigir que rompam decididamente todos os laços entre religião e polícia. Ou são sinceros, e então devem defender a completa separação entre Igreja e Estado, entre Igreja e escola, declarando a religião um assunto privado; ou não aceitam essa reivindicação consequente de liberdade e, nesse caso, continuam prisioneiros das tradições inquisitoriais, apegados a cargos e rendas oficiais, sem acreditar na força espiritual de sua fé e dependentes dos subornos do Estado. Se assim for, os operários conscientes de toda a Rússia lhes declararão guerra implacável.
No partido do proletariado socialista, a religião não é um assunto privado. Nosso partido é uma associação de combatentes conscientes, de vanguarda, pela libertação da classe operária. Essa associação não pode e não deve ser indiferente à inconsciência, à ignorância ou ao obscurantismo sob a forma de crenças religiosas. Defendemos a completa separação da Igreja e do Estado, mas lutamos contra o nevoeiro religioso apenas com armas ideológicas — a imprensa, a palavra, a crítica. O POSDR foi fundado, entre outras coisas, precisamente para essa luta contra o entorpecimento religioso dos operários.
E para nós, essa luta não é um assunto privado, mas um dever de todo o partido, de todo o proletariado.
Se é assim, por que não declaramos em nosso programa que somos ateus? Por que não proibimos cristãos ou pessoas que acreditam em Deus de ingressarem em nosso partido?
A resposta a essa questão revela uma diferença fundamental entre a forma burguesa-democrática e a forma social-democrata de abordar a questão da religião.
Nosso programa baseia-se inteiramente em uma concepção científica do mundo: o materialismo. Isso implica também explicar as raízes históricas e econômicas do nevoeiro religioso. Nossa propaganda inclui, necessariamente, a propaganda do ateísmo. A publicação da literatura científica — que o Estado autocrático-feudal até agora proibia e perseguia — deve se tornar uma das frentes de nosso trabalho.
Provavelmente teremos de seguir o conselho que Engels deu aos socialistas alemães: traduzir e difundir amplamente a literatura iluminista e ateísta francesa do século XVIII.
Mas, ao fazê-lo, não devemos cair em uma abordagem abstrata e idealista da questão religiosa “a partir da razão”, como fazem muitas vezes os democratas radicais da burguesia. É absurdo imaginar que, numa sociedade baseada na opressão e no embrutecimento contínuos das massas, a propaganda, sozinha, possa dissipar preconceitos religiosos. É estreiteza burguesa esquecer que o peso da religião sobre a humanidade é produto e reflexo direto da opressão econômica.
Não é por meio de livros ou panfletos apenas que se esclarece o proletariado, mas pela própria luta contra as forças sombrias do capitalismo. A unidade dessa luta realmente revolucionária da classe oprimida pela criação do paraíso na terra é mais importante do que a unidade de opiniões sobre o paraíso no céu.
É por isso que não declaramos o ateísmo em nosso programa; é por isso que não proibimos que proletários com vestígios de velhos preconceitos religiosos ingressem em nosso partido. Defenderemos sempre a concepção científica do mundo, combateremos a inconsequência de qualquer cristão, mas sem colocar a questão religiosa em primeiro plano, sem dispersar forças da luta revolucionária em polêmicas secundárias, que perdem rapidamente importância política e são jogadas para o depósito de velharias pelo próprio curso do desenvolvimento histórico.
A burguesia reacionária, em toda parte, esforçou-se — e agora também em nosso país — para atiçar a hostilidade religiosa, desviando a atenção das massas das questões econômicas e políticas fundamentais que o proletariado russo busca resolver na prática. Essa política de dispersão de forças, hoje expressa em pogroms das Centúrias Negras, pode amanhã assumir formas mais sutis. Nós, em qualquer caso, nos oporemos a ela com propaganda paciente, consequente, firme, livre de sectarismo, baseada na solidariedade proletária e na concepção científica do mundo.
O proletariado revolucionário conseguirá que a religião se torne realmente um assunto privado para o Estado. E, nesse regime político liberto do bolor medieval, o proletariado poderá travar uma luta ampla e aberta pela eliminação da escravidão econômica — a verdadeira fonte do entorpecimento religioso da humanidade." - Lênin (1905).
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