Ultraprocessados e um debate sobre soberania e segurança alimentar

As discussões sobre os malefícios de uma dieta baseada em alimentos ultraprocessados, embora recentes, apoiam-se em bases informacionais sólidas e geram uma justificada preocupação com a saúde pública em escala global.

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11/6/20253 min ler

As discussões sobre os malefícios de uma dieta baseada em alimentos ultraprocessados, embora recentes, apoiam-se em bases informacionais sólidas e geram uma justificada preocupação com a saúde pública em escala global. Nesse contexto, a sanção da Lei Nº 19.455, de 18 de setembro de 2025 do Ceará, a qual proíbe o fornecimento e a publicidade desses produtos e açucarados na educação básica, se revela uma medida exemplar. A iniciativa não apenas alinha o estado com as metas do Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), como também representa um passo importante para o fortalecimento da cidadania popular, ao conectar a alimentação saudável com a educação e o fomento da economia local.

Para compreender a importância dessa medida, é preciso primeiro conceituar o que são os “alimentos ultraprocessados”. Conforme o Guia Alimentar para a População Brasileira, tratam-se de produtos industriais constituídos total ou principalmente de ingredientes refinados, tais quais óleos e açúcar, somados aos seus derivados, como gordura vegetal hidrogenada, e aditivos sintéticos. A restrição do consumo desses produtos é uma das estratégias mais coerentes para combater o aumento de doenças crônicas, problemas que assolam a saúde popular atual, em especial como uma sindemia global, ou seja, uma pandemia simultânea de desnutrição e obesidade, associada às mudanças climáticas e a insustentabilidade dos sistemas alimentares atuais. Por isso, o anúncio da medida legislativa durante a Segunda Cúpula Global para a Alimentação Escolar, no dia 18, e a posterior assinatura pelo Governador Elmano de Freitas (PT) fez-se simbólico, ao demonstrar que a articulação de representantes de esquerda para a elaboração de políticas públicas adequadas pode ser um exemplo de como o povo é fator de mudança das contradições atuais entre a superprodução e a superdesigualdade, também presente no âmbito da alimentação e da saúde.

A nova legislação cearense, aprovada por unanimidade, atua diretamente sobre esses direitos. Ela estabelece que, de forma gradual até 2027, as escolas públicas e privadas devem fornecer apenas alimentos in natura ou minimamente processados, definidos como aqueles cujas matérias-primas passam apenas por processos básicos como limpeza, conservação e processos físicos sem adição de sal, açúcar e outros ingredientes culinários ou substâncias sintéticas. Essa mudança promove não apenas uma melhoria nutricional imediata, mas também coopera com o projeto pedagógico das escolas, que deverão desenvolver campanhas permanentes de educação alimentar e nutricional, formando assim novas gerações com maior consciência sobre suas escolhas e, no melhor dos cenários, as imposições de dieta feitas por limitações do modelo econômico presente.

Além dos benefícios diretos à saúde e à educação dos estudantes, a lei confronta diretamente a lógica da indústria alimentícia. A produção de ultraprocessados, projetados para serem hiperpalatáveis a fim de serem consumidos frequentemente, perde espaço para um modelo mais sustentável. Com a nova demanda das escolas, abre-se uma oportunidade para o fomento do comércio local, em especial da agricultura familiar, criando um ciclo que gera renda para pequenos produtores e oferece comida de verdade para as crianças e adolescentes.

Dessa forma, a iniciativa do Ceará transcende o seu caráter regional. Ela se demonstra um símbolo de como políticas públicas bem articuladas podem promover a saúde, a educação e a justiça social simultaneamente. Ao colocar as necessidades da população e dos produtores locais à frente dos sistemas alimentares hegemônicos, o estado oferece um caminho concreto para a construção da segurança e da soberania alimentar do país.


Artigo escrito por Ana Clara Meneguit Dias, aluna extensionista do curso de Nutrição da UFRJ em parceria com o LABIC (Laboratório de Inovaçção Cidadã) e o Pontão da UFRJ.